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Estreia Marcela Muttoni: Desci de um foguete!

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Para ouvir enquanto lê:  Busque a música – “Alô, Alô Marciano – Elis Regina e Rita Lee”

Assunto: Carta para quem receber ai de (casa)

Endereço: em alguma coordenada geográfica desconhecida  – de uma das galáxias do universo

“O planeta Terra (casa)  está localizado no Sistema Solar que, juntamente com mais de 100 bilhões de estrelas, formam a nossa galáxia, a Via Láctea. A nossa galáxia faz parte de um pequeno aglomerado de galáxias chamado Grupo Local, que por sua vez faz parte de uma região gigantesca em que há maior condensação de galáxias e de aglomerados de galáxias, chamado de Superaglomerado Local. Esse, por sua vez, juntamente com os demais superaglomerados de galáxias e os vazios, contendo, portanto, toda a matéria e a energia existentes, formam o Universo, onde estou agora”

Desci de uma nave após alguns dias em órbita sideral. Não sei exatamente há quanto tempo eu perdi a consciência, só sei que já fazem alguns anos, pois noto, pelas minhas mãos, que o tempo passou. Minhas últimas memórias são de muita confusão. Sinto que envelheci, sinto que o tempo passou, mas eu, não vi.

Lembro que nos últimos tempos em (casa), era uma pessoa falando mais alto que o outro. Falar mais alto, ter razão, era muito importante. Um tinha mais razão que o outro e quando não  a tinha, virava as costas e falava que estava certo,  não nos olhos de quem discordava, mas por palavras enviadas através de aparelhos tecnológicos.

Muitos maldiziam do outro, mesmo que fosse do mesmo clã familiar. As pessoas do mundo, batendo boca, batendo a cara. Bater –  era uma forma de dizer, com figura de linguagem que éramos violentos, na forma como mostrávamos o que sentíamos. Todo mundo se batendo, se empurrando, não era fisicamente, aliás,  tínhamos pouco contato físico, era um aglomerado de cansaço emocional. Como animais em fuga em um espaço pequeno onde somente alguns vão passar,  de algum filme do século passado. Aliás, essa história parece que já conheço, ela se repetiu nos outros séculos que conheci em algum momento. Mas é essa a história que me lembro.

Nós estávamos sozinhos e nos violentávamos através de palavras, chingamentos e humilhações. Discordávamos ou concordávamos em grupos, os que pensavam como eu ou os que pensavam diferente de mim. E assim vivíamos divididos, precisando encontrar formas de salvar nossos trabalhos, fortalecer nossa família e viver em comunidade com alguma dignidade. Vivíamos em um mundo capitalista, e eu como a maioria compreendia que isso era justo, afinal alguns trabalham mais, outros não desejam trabalhar e isso fazia com que nossa vida transcorresse nesse código de “liberdade” interpelada pelos direitos e deveres como cidadãos, baseados nos rigores da lei e do estado. Lógico, havia acertos e também injustiças. Existiam desigualdades, má fé e maldade. Hoje, parece que isso não faz sentido, mas naquela época, para a maioria, fazia.

Mas, o que eu queria contar hoje é que estou num lugar que eu não sei onde é. Olho pro lado, tem alguns da minha espécie por aqui. Hoje não tem mais confusão, só silêncio e um profundo respeito.

Sabemos que temos que nos cuidar, pois só assim vamos nos proteger de forma individual e coletiva e sobreviver.  Cuidar, que palavra bonita. Há quanto tempo eu não pensava nela. Agora já não há mais muito a cuidar. Neste local que estamos não a nada. Algum tempo atrás, nós tínhamos certeza que se fosse “do meu jeito” tudo seria diferente. E agora que temos que recomeçar, me questiono: como as pessoas que foram pioneiras, fizeram?

Quanto trabalho. Quanto trabalho dá começar algo. Organizar as pessoa,  para que primeiro não se matem todos, depois que tenham respeito pela individualidade e pelo patrimônio alheio. Já sei, vamos ter que ter um Deus, por que quem serei eu para explicar isso pra toda essa gente. Aliás, logo teremos vários profetas, bruxas e deuses entre nós aqui também. Alguém terá que por ordem nessa “zona” toda.

E para comermos. Olho para o lado e não vejo água, nem rios, nem mar. Vejo um solo estéril. Teremos que trabalhar, plantar. Justo nós, que já produzíamos comida por moléculas, onde acharei sementes. Até para plantar algo precisarei desenvolver energia, fogo. Ferramentas, sem ter nem ideia de quais materiais melhor vão se adaptar. Aprender que não sabemos nada é esse nosso desafio neste momento.

Desde que desembarquei desse foguete, olho sem parar e daqui vejo uma bola azul, pairando longe de nós. Alguns do meu lado choram. Alguns estão em choque. Eu só consigo olhar e admirar. Nunca imaginei que viveria isso, e quem um dia imaginou?   Ver aquela bola azul que um dia chamamos de casa, que estava tudo tão pronto, que tinha um nome que fazia tanto sentido – Terra, a nossa (casa).  Agora estamos aqui num local que um dia sonhamos, em outra casa, longe da nossa e eu só consigo pensar, como que não vimos isso antes. Fecho os olhos com força.

Escuto um barulho. Abro os olhos, mas só vejo escuridão. Não vejo mais o planeta azul. Conheço esse som, me parece um som de mensagem de  WhatsApp. Sai tocando em tudo, não avisto mais meus colegas que choram. Estou sozinha. Acho o som e me dou conta que o aparelho está do lado de um grande móvel. Vejo uma pequena luminosidade.  

Olho para a luz que pisca e enxergo, 01/06/2020, 06:00 AM! Abaixo, a palavra soneca – por um instante suspiro aliviada e um sorriso preenche meu rosto. Abro bem os olhos e vejo pequenos raios de luz penetrando pelas cortinas.  Acordei! Salto da cama, sem apertar soneca, não há mais tempo a perder. Só viver e ACORDAR!


Crônicas e histórias cotidianas sensoriais
“Acredito que podemos ler, estimulando mais que um sentido. Por isso, em mais de 18 anos de profissão, me apaixonei pelo processo de escrever levando o leitor a usar além da visão, outros estímulos sensoriais. O dessa semana será – audição”. Boa viagem 🙂

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