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Marcela Muttoni: As palavras que nos incomodam

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Nota Sinestésica dessa semana: Tato

Atividade: Escrever Bilhete

Experiência Sensorial: Escreva palavras que você gostaria de perdoar, por ter dito, ou perdoar quem as disse. Perdoe as palavras e depois rasgue em muitos pedacinhos. Ufa!

Dica: Aproveite essa oportunidade. Pense no momento ou como isso te incomodou. Respire fundo e procure entender as limitações, história de vida ou até mesmo, trajetória ou como essas palavras representam o que na sua vida. Se elas te feriram, ou simplesmente eram a ferida de alguém também.

As palavras que nos incomodam

Mortadela, petralhada “bolsominion”, gado, coxinha, “mauricinho”, comunista, endividado, pobre, gorda… A incrível capacidade humana de dar sentido e forma além do semântico às palavras. O que nos une?

Os polos imantados são gravitacionais, por isso acabam atraindo tudo que esteja perdido por sua órbita, talvez por isso palavras na língua portuguesa sejam criadas como “gírias” ou se transformam de forma pejorativa, em ofensas e ganham o peso de palavras bonitas ou feias. As que podem ser ditas ou não ditas.

Quais são as palavras que te ferem?

Em uma história tão recente como a do Brasil, formada por tantas rupturas culturais, crimes e até mesmo, protagonismo duvidoso, cabe a nós uma reflexão mais profunda de quais são as raízes de nossa rejeição.

Que povo somos nós?

Quais as condições de senso crítico e psicológicas possíveis naquela época e que se enquadram dentro das reais condições de nossos descobridores. Não existe julgamento aqui, existe um contexto histórico, que ocorreu em outras partes do mundo também.

Algo que me mudou profundamente uma entrevista que assisti do economista Eduardo Giannetti quando estava lançando o livro “ O Elogio do Vira-Latas e outros ensaios” do ano de 2018, que aborda o tema do complexo vira latas” do brasileiro. Para você que nunca ouviu falar sobre isso, “complexo de vira-lata” foi termo usado por Nelson Rodrigues, que entende-se como a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Segundo ele, “O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem.” afirmou o escritor.

Como se comparado aos cachorros com pedigree que nascem “puros”, nós nascemos dessa mistura de muitas raças, pessoas desbravadoras, índios, colonizadores, negros. Os brasileiros tem em seu “DNA”, o mix que faz de nós, quem se é. A ideia de que o povo brasileiro é inferior a outros ou “degenerado” não é nova e data pelo menos do século XIX, quando o conde francês Arthur de Gobineau desembarcou em 1845 no Rio de Janeiro e chamou os cariocas de “verdadeiros macacos”.

A raiz de tanto pessimismo sobre nosso potencial é antigo. Em 1903, Monteiro Lobato, conhecido autor, de livros clássicos da literatura brasileira, revelou-se profundamente pessimista com o potencial do povo brasileiro: “O Brasil, filho de pais inferiores – destituídos desses caracteres fortíssimos que imprimem – um cunho inconfundível em certos indivíduos, como acontece com o alemão, com o inglês, cresceu tristemente – dando como resultado um tipo imprestável, incapaz de continuar a se desenvolver sem o concurso vivificador do sangue de alguma raça original.”

Além da origem mestiça, os brasileiros sofrem com o fato de viverem nos trópicos, onde o clima quente e úmido predisporia os habitantes à preguiça e à luxúria (outra tese cara na época, o determinismo geográfico, dizia que verdadeiras civilizações só podiam se desenvolver no clima temperado). Você alguma vez ouvir falar algo parecido?

Na contramão do senso comum, Eduardo Gianetti mexeu na ferida, e defendeu na entrevista que “não ter pedigree” é um caminho civilizatório tão válido quanto os trilhados por sociedades tidas como exemplos de desenvolvimento. Somos únicos. Foi a primeira vez que me senti BRASILEIRA, assim com letra maiúscula.

Essa é a nossa história. Índios, navegadores. Isolados em suas línguas pátrias. Isolados em suas distâncias. Foi através de violência, abusos, traições e também integração incomum, que o povo brasileiro começou a existir.

Imigrantes europeus, fugindo de fomes e guerras. Negros arrancados de suas terras para trabalhar. Temos ainda uma grande ferida de rejeição para tratar. 500 anos na terapia histórica da nossa sala de estar. Sinto que mal começamos o serviço.

Temos muito que conversar. Isso faz parte do nosso trabalho, como civilização. Nunca fomos um país de guerras. Somos um país de trocas. De acordos. Até demais. Ao ponto, que de tantas trocas e de favor em benefício alimentamos nosso “dragão” e assim ele passou a nos atemorizar atendendo pelo nome “corrupção”. Hoje por ela somos unidos em ideais, divididos por palavras que nos identificam. Em sua etimologia a palavra corrupto significa  Coração roto/coração partido. Estamos partidos.

Onde está sua luz, está a sombra. Ou seja, na virtude, provavelmente residirá ali também o local da nossa “escuridão’”. Pessoas alegres demais, silenciosas demais. Tudo tem um lado bom e um nem tão bom assim. Somos um múltiplo de emoções, raízes ancestrais, que vão aquém da nossa compreensão antropológica, que vai aquém de miscigenação, famílias e história. Isso está encrustado em nossa genética.

Nossa mistura nos fez um pouco de tudo, na cor de pele, nos cabelos. Na cor do olho e até na nossa linguagem. O português do Brasil é único, sendo até mesmo distinta do idioma de outros países que tem a mesma língua.

E quanta palavra só existe por aqui. E se não bastasse o tanto de palavra que existe, ainda somos bons em criar novas ou até mesmo dar sentido às já existentes. Em algumas categorias podemos também falar dos termos pejorativos, oriundos de uma raiz profunda de preconceitos. Cada vez mais, palavras que denotam “opiniões” carregadas de ódio, preconceito ou descriminação são mais punidas e menos aceitas. Aliás, já mais que na hora.

Ser pobre não é ofensa. Ser rico também não. Nem mesmo ser endividado é. Essas palavras dizem quem você é nessa sociedade

É preciso abrir a ferida para curar. É preciso olhar com cuidado para a gente mesmo, quais as palavras que uso para ferir, quais uso para diminuir alguém. Pois elas dizem mais sobre você, do que do outro.

Muitas vezes as palavras que ferem nem são as óbvias. Aliás, geralmente não são. Quantos de nós já fomos “rolha de poço”, Olivia Palito, girafa, saracura…

Nos primeiros anos de escola, vivia em uma comunidade muito pequena. Meus pais, por serem comerciantes, tinham negócios nessa localidade, enquanto a maioria dos meus colegas, os pais eram pequenos agricultores ou funcionários.

Como minha família tem raiz empreendedora, meus pais construíram uma casa que sonharam, por isso maior que as mais comuns. Por coisas como essas, quando alguém queria me insultar na escola, me chamavam de riquinha. Quanta vergonha.

Nos dias atuais não mudou muita coisa, não é mesmo. Se você for rico, é alvo de algum comentário. Desempregado. Quebrado. Mesmo sendo fatos naturais para a grande maioria de nós, como sofremos com o estigma de algumas palavras, mal ditas, mal expressadas. Na maioria das vezes elas não falam sobre a vida da pessoa e sim sobre um episódio.

Mas queremos as palavras bonitas, que vem junto com a aceitação ou com o a validação. Essa tal de validação tem nos levado a locais inimagináveis.

Meu sonho quando pequena era chegar à escola andando sem sapatos, em dia de chuva. Achava bonito ouvir histórias e superação. As colegas que não tinham sapatos eram referência para mim, de luta e coragem. Eu era fã.

 Para tanto tirava minhas “galochas coloridas” para poder usar sacos de açúcar nos pés como alguns dos meus colegas.  Era privilegiada, mais ainda não entendia essas coisas de adultos. Por isso para caminhar mais, fazia mais voltas. Emocionava-me com os colegas que chegavam molhados e faziam esforço pata estudar.. Queria ser como eles. Mas eu não era.

Quantos de nós somos ainda essa criança precisando ser acolhida em um corpo de adulto, brigando com o mundo com palavras que não nos representam, ditas sem pensar, ditas pelo dito… na maioria das vezes só para termos a impressão que estamos certos ou que é nossa a conclusão final.

Palavras ressoam,  significam, ferem e libertam.  Enquanto pensarmos no que nos separa, difícil olhar o lado bom das diferenças do que nos une. A pluralidade, as opiniões, as paixões, podem ser para você algo e para o seu vizinho outro.

Temos sido tão “eu” nessa quarentena, na vida. Hotéis com hóspedes e restaurantes fechados. Lojas fechadas e mercados abarrotados. Jogos de futebol acontecendo na televisão, mas as salas de aulas proibidas. Achar a lógica nessas decisões é impossível. Não tem sentido. Qual são nossas escolhas?

Compreensível seria se tivéssemos uma estratégia única, desde o início. E isso não é sobre as palavras que nos definem isso tem a ver como sermos uma comunidade. O Brasil, neste momento, precisa que esse “bando de vira latas” se una, para virarmos o jogo.

E ele só se ganha se entendermos que estamos todos do mesmo lado do campo em posições diferentes. E, então, teremos ao menos um gol, porque até agora levamos goleada.  Brasileiro sabe dar seu “jeitinho” para tudo. Bem que a gente podia, achar um, de sair dessa, juntos. Quem sabe assim, dar um novo sentido pra essa palavra que feia não é, jeitinho. Bonita mesmo é a palavra, Fé.

Atemporal e quase todo mundo gosta dela! E que sorte a nossa,  dessa, o povo brasileiro entende como ninguém.

Boa semana!

Crônicas e histórias cotidianas sensoriais
“Acredito que podemos ler, estimulando mais que um sentido. Por isso, em mais de 18 anos de profissão, me apaixonei pelo processo de escrever levando o leitor a usar além da visão, outros estímulos sensoriais.

marcelamuttoni1@gmail.com

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