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Marcela Muttoni: Que dó do urubu!

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A vida inteira,  vejo a maioria das pessoas fazendo cara de nojo e repugnando o urubu. Que come restos, animais mortos. Tenho é pena de urubu, que precisa de restos pra viver. Triste sina tem esse ser, que na sua natureza foi forjado a não caçar, mas esperar o que sobrar para então a faxina executar.

É pelo cheiro da carniça que lá vai ele afoite, saciar a sua fome. De olfato bem apurado, o urubu fareja onde está a pre­sa. Em círculos no céu, vai baixando, peregrino. De todas as sentenças, talvez a mais fácil de julgar: caçador preguiçoso, comedor de sobras e carniças. De todas as sentenças da natu­reza, talvez a mais difícil de ser compreendida, ao invés de far­do, sina. Fácil olhar o que está somente a um palmo de nossos dedos de julgamento.

Até o urubu não escapa. Se não fosse ele, quanto mau cheiro… o que faria a natureza com os restos de seus mortos. Como deve ser bom ser beija-flor. Ou quem sabe andorinha. Passarinho. Mas ser urubu, isso é coisa pra fortes. E tem como escolher, o que se nasceu para ser.

Mas não se nasce o que se quer, se nasce o que se é. E alguns nascem urubus, não que isso seja má sorte, é vida. Nascem com missão divina, de não suportar outro sabor, se não o da dor. O urubu não sabe comer se não o que nasceu para fazer. Pobre sina peregrina, essa do urubu, de não conhecer o sabor de um mundo de cor.

Assim também somos nós. No nosso dia-a-dia, muitos são os urubus que realizam a faxina de nossas vidas. O mundo sempre deixa restos. Restos de dias, de planos, restos de sonhos, restos de relações, e lá correm urubus se alimentar do que está ali a secretar. E é desses restos que muitos “urubus” vão se alimen­tando, crescendo, vivendo.

Felizes ao redor da pobre vítima já a se dizimar, e o urubu a avistar, lá do alto, sem os olhos soltar. Sente o cheiro de podri­dão a lhe chamar. E ele não sabe sentir cheiro de flor só de dor. Chega devagar, depois averigua a certeza da morte, e assim aos poucos arranca pedaços daquele que agora é prato seu.

Muitos dos urubus do nosso cotidiano dão uma mordidinha aqui, outras ali e assim vão nos tirando às vezes,  a última gota de vontade de levantar e correr.

Para não sofrer, se sucumbe a falta de esperança do cerco, se fecha os olhos e vira então mais uma vítima da fome desse afoite. Pobre urubu, triste é a sua sina, de viver dos restos, de viver do que não corre, de viver do que não luta, de viver do que lhes deixam, de viver da desven­tura de outro ser.

Alegria de urubu é mesa cheia. Quantos restos pra sua ceia. De restos que ele vive, outros ali, mal conseguem perto chegar. A escolha e sina dos urubus deixa cheiro por onde passam, in­feta sua pelagem e ele longe vive. Viver de restos tem um preço.

Pobre urubu se soubesse que infesta tudo por onde passa. Fácil é vida de passarinho cantador, fácil é vida de bem-te-vi que nasce bunitinho. Para quem nasce feio e com gosto pra dor, viver do que sobra dos outros é ate conformador. Ai que dó urubu, pra quem nasceu urubu jamais será beija flor.

Crônicas e histórias cotidianas sensoriais
“Acredito que podemos ler, estimulando mais que um sentido. Por isso, em mais de 18 anos de profissão, me apaixonei pelo processo de escrever levando o leitor a usar além da visão, outros estímulos sensoriais.

marcelamuttoni1@gmail.com

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