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Marcela Muttoni: Inundação

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O que são lembranças?

Tombos de bicicleta. Comer cereja do mato. Arrebentar os chinelos em corrida. Comícios. Vitórias. Derrotas. Histórias regadas a mate doce. Ver os filhos grandes. Ver uma estrada pronta. Um aluno formado….

Quantas lembranças cabem em uma vida?

Nos tempos de inundação, estes de dias que só sabem chover,  as lembranças são tiradas do lugar, elas ficam perdidas sem saber onde morar. A chuva forte derruba as folhas, encharca os jardins e os sons das risadas e das conversas se silencia diante do torrencial aguaceiro, que encharca nossa alma.  Os nossos lutos são inundações profundas e silenciosas….

Por muitos anos vivi em luto.É difícil falar, quando envolve a nós mesmos. Como se uma parte nossa tivesse partido também. Ou talvez, um todo.Poucas pessoas entendem e mesmo os que compreendem, esperam força ou uma atitude de fé, mas as vezes, estar morto em vida, exige uma ressurreição tipo a de Lázaro, para nos fazer acordar de uma vida já não está mais ali.

O que significa estar vivo? Ter um coração  e um cérebro pulsando certo? Mas eu diria que muitos mesmo em vida estão mortos e muitos mortos mesmo já a muito tempo sepultados continuam fazendo história. Hoje coincidentemente é véspera de finados, o dia dos mortos. Como um baque lembrei, que hoje é dia 1 de novembro é aniversário de morte de um luto que vivi por muitos e muitos anos. Não lembrei o dia todo, ou esqueci?

Falar deste dia mé me remeter a inundação que mudou pra sempre minha vida e foram anos de chuva sem fim. Lembro que em terapia várias vezes construir cenários, tentando tirar o peso daquela inundação que vivia dentro de mim. Era como se eu vivesse com meus rios internos em transbordo e com necessário controle para que eles não vertesse pelos olhos.  Os anos de inundação foram difíceis.  Foram eles que me trouxeram pra dentro de mim. Como se eu sempre estivesse à margem de mim mesma. Buscando um pedaço de um telhado, de uma árvore, de um dia, um  pedaço de mim, que eu nunca mais conseguia achar. Lembram: as inundações tiram tudo do lugar.

Os anos de inundação chegaram e arrastaram tudo. Meu trabalho, meus amigos, minha certeza que o mundo seria um lugar melhor. Perdi em um curto espaço de tempo a melhor amiga de infância e o pior, estávamos sem nos falar a alguns anos por discussão de adolescente. O primeiro dia de vento forte daqueles tempos, foi gelado e duro.. Eu não sabia e nem fazia ideia, que pessoas jovens, filhos, com namorados, recém formados também partem. Eles partem. Não houve palavra que eu conseguisse dizer. Neste dia a chuva foi tão forte que me emudeceu, por algum tempo.

Naquele dia, um rio dentro de mim alagou minha alma. Tive que pedir desculpas em silêncio. Depois disso. Sempre perdão. Sempre. E neste dia o período de indicação se anunciou. Ano após ano daquele período vi amigos partindo, mães de amigos, filhos de amigos, amigos e de repente meu coração inundou de verdade. Como se eu não conseguisse abrir os olhos de tanta chuva.

A chuva não deixava mais ver o futuro. As pessoas nos cativam. Veem o melhor da gente, antes da gente. Nos acendem as luzes e abrem  nossas janelas, mesmo que a gente nem saiba que janelas existem ali. E como aceitar que justo elas que acreditam em você, que veem o seu melhor, não vai mais estar aqui. E é tão egoísta sofrer por não termos mais uma conversa sobre guerra, um chimarrão às 22h ou por o mundo perder um político que te ensina que existem políticos bons, que as pessoas podem e devem ter uma boa auto estima por que não são os políticos que mudam o mundo, são as pessoas. Ou porque uma brilhante professora não ensinará os alunos sobre o futuro….

Até hoje me pego corrigindo as pessoas que falam mal de políticos, porque no meu coração ficou forjado com “ferro quente”  valores de amor, altruísmo e competência que a boa política pode fazer pelas pessoas. A maturidade e os anos de inundação foram permitindo a germinação de uma terra que eu não irrigava, a da minha alma. E aos poucos no lugar do aguaceiro,  vi crescer sementes lindas eu não teria, se não fosse pelo preparo da terra. E Então, me vi diante de um tesouro – um coração grato cheio de estrelas gigantes.

A tolerância,  gratidão,  generosidade, alegria das boas lembranças e o mais importante, a consciência do momento,que as pessoas que cumprem seu legado ficam vivas dentro de nós, através desse jardim colorido de boas memórias, mesmo que sua presença física aqui não esteja mais.

Aqueles que nos chacoalham a vida, que marcam nossa trajetória. Vivem para sempre. Às vezes as inundações chegam, o excessos dos rios internos transbordam pelos olhos, vertem pelo coração, criando canais de irrigação para sementes novas de amor, carinho e gratidão. Um dia passa, e quando a gente olha pra dentro, encontra um jardim colorido de memórias.

Se hoje estiver chovendo, abaixe a fronte, em algum momento o sol vai raiar, o luto se acomoda e no lugar da tristeza, nasce uma planta nova, chamada lembrança e ela faz o aguaceiro passar e a terra assentar, quando os dias de chuva voltar.

Em memória dos meus amigos, Jaqueline  e Gilmar.

Crônicas e histórias cotidianas sensoriais
“Acredito que podemos ler, estimulando mais que um sentido. Por isso, em mais de 18 anos de profissão, me apaixonei pelo processo de escrever levando o leitor a usar além da visão, outros estímulos sensoriais.

marcelamuttoni1@gmail.com

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