Vou aplaudir de pé o dia em que algum anunciante produzir uma mensagem publicitária inteligente sobre o verão. (Na verdade sobre qualquer outro tema.) Corpos esculpidos e bronzeados, sol de rachar, praia, atividades físicas as mais variadas, trilha sonora vibrante e lá vem o produto, de imóveis a cerveja, chinelos, protetores solares e que tais.
Termina a janela comercial e entram as notícias: seca, estiagem, perda de safra, animais e pessoas sofrendo, a terra quebrada e árida, virando pó. O sol fustigando os campos e destruindo meses de investimento e muito trabalho, os mirrados grãos retorcidos pendendo das espigas de milho, da soja, raízes ressecadas de batatas, mandioca que não dá nem pro cheiro.
Neste embate entre a fantasia e a realidade, a estação verão, como todos os anos, vai passando, com sua típica superficialidade e numerosas odes a tudo que diz respeito à casca, ao externo: dietas, coloração de cabelos, unhas gigantescas e multicoloridas, cílios postiços tão obviamente artificiais que desafiam tudo o que eu já ouvi falar sobre intervenções estéticas, ou seja, de que as boas são as que mal se podem notar.
Mas, argumentemos. O verão não é em si bom ou ruim, e se sobrevivermos a este, veremos muitos outros ir e vir, no engenhoso ritmo da natureza. Nós é que o fazemos esse momento de exposição física, descontração e pouca roupa, modinhas ultravelozes, e podemos, com a mesma soberania, optar por gozar dos meses ultraquentes com dignidade, parcimônia, até prazer. Eu tenho cá minha receita, cujo principal ingrediente é a não submissão. Explico.
Não me submeto à necessidade de ir à praia, não me submeto ao bronzeado, não engrosso fileiras com os que correm pra freeway ou pra Paraguassu. Não faço hidratações, alongamentos de partes do corpo, quaisquer que sejam, intervenções estéticas que me transformem na minha mais inautêntica ‘versão verão’. Resisto com bravura, permanecendo na sombra fresca do apartamento até que o sol desapareça nos morros.
À medida que escrevo, me vem à mente uma cena refrescante. Há uns trinta anos, meu pai começou um novo emprego e deram a ele uma sala assaz agradável, ampla, lindos móveis de madeira escura, tudo muito inglês. O senão é que, no verão, o sol batia em cheio naquele lado do prédio. Ele nem piscou: mandou colocar cortinas grossíssimas e escuras, revisou a potência do ar condicionado e ali ficou, feliz da vida em sua caverna, verões a fio. Tenho a memória física de entrar na sala dele, nas tardes horrorosas do verão porto-alegrense, quando precisava ir ao centro e passava lá pra respirar. Também lembro com carinho do seu sorriso zombeteiro, quando a vizinha na praia passava indolente pelo nosso gramado e dizia, implicando: “Suzaninha, tão branquinha!” E eu, deitada na rede, enfiada no meu Asterix, ria por dentro…
- Por:
- Suzana Guimarães
- Jornalista
- 60 anos
- suguima@terra.com.br
*O Acontece Gramado publica as crônicas da turma da Oficina Santa Sede – Crônicas de Botequim, de 2022.