Após implementarem leis que visam coibir a abordagem e a panfletagem comercial em espaços públicos, as prefeituras e câmaras de vereadores de Gramado e Canela agora debatem a possibilidade de estender essas restrições para o interior de empreendimentos privados e comerciais. A medida, que busca regulamentar o comportamento dentro de áreas como pátios, estacionamentos e galerias de lojas, reacende a discussão sobre os limites da intervenção do poder público na propriedade privada e na livre iniciativa, com a Constituição Federal como principal balizadora do debate.
A justificativa dos proponentes das novas leis reside na alegação de que a abordagem insistente e a distribuição de panfletos, mesmo em áreas privadas de acesso público, podem gerar transtornos, constrangimentos e impactar negativamente a experiência de moradores e turistas, além de questões de ordenamento e limpeza urbana. O poder público municipal, representado pelas prefeituras e vereadores, argumenta ter o dever de zelar pelo bem-estar coletivo e pelo ordenamento do espaço urbano como um todo, o que, em sua visão, justificaria a regulamentação de tais práticas mesmo em áreas privadas.
Em recente pronunciamento, o prefeito de Gramado, Nestor Tissot, prometeu que acionará o setor jurídico da Prefeitura para criar projetos de Lei com esta intenção. Da mesma maneira, a Prefeitura de Canela e alguns vereadores criam este debate e terão uma Audiência Pública na terça, dia 29 de abril, às 18 horas, para apresentar o projeto de Lei, do vereador Lucas Dias, que pretende proibir totalmente a abordagem em Canela, e mudar a Lei já existente.

O que diz a Constituição Federal
No entanto, a constitucionalidade de leis que pretendem ditar o comportamento dentro do pátio de empreendimentos privados é um ponto central da controvérsia. A Constituição Federal, em seu Artigo 5º, inciso XXII, garante o direito à propriedade privada, e o Artigo 170 estabelece a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica. Qualquer lei municipal que venha a restringir a forma como os proprietários podem permitir ou proibir atividades em seu espaço deve observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, além de demonstrar um claro interesse público que justifique a intervenção.
Especialistas em direito constitucional apontam que a linha entre a legítima regulamentação pelo poder público e a invasão indevida na esfera privada é tênue. Leis que visam a segurança, a higiene ou o sossego público em áreas privadas podem encontrar maior respaldo legal.
Contudo, a proibição de abordagens e panfletagens, atividades inerentes à promoção comercial e à liberdade de expressão (ainda que com fins econômicos), pode ser vista como uma restrição desproporcional, a menos que se demonstre um impacto negativo significativo e comprovado ao bem-estar geral que não possa ser mitigado por outros meios menos restritivos.
O debate em Gramado e Canela ilustra um desafio crescente para o poder público municipal: equilibrar a necessidade de regular o espaço urbano e garantir o bem-estar da população com o respeito aos direitos individuais e à liberdade econômica. A decisão final sobre a constitucionalidade dessas futuras leis, caso aprovadas, poderá passar pelo escrutínio do Poder Judiciário, que deverá analisar se a intervenção municipal se justifica por um interesse público relevante e se as restrições impostas são proporcionais ao objetivo almejado, sem ferir os pilares da Constituição Federal.