A busca de uma vacina contra o Coronavírus ganhou ares de um verdadeiro Grande Premio de Fórmula 1, daqueles que a TV Globo anuncia todo fim de semana. Há 231 laboratórios concorrendo, mas menos de 10 deles tem condições de obter a pole position (largar na primeira fila) , ou seja, entrar na fase final de testes antes da aplicação em massa.
É provavelmente o maior negócio dos últimos 10 anos, pois, até agora, já foram aplicados nele quase 15 bilhões de dólares, quantia que pode chegar a 50 bilhões quando nós, humanos, começarmos a ser imunizados.
Mas além de ser um grande e lucrativo investimento, sua importância cresce quando se sabe que está em jogo também uma complexa jogada geopolítica envolvendo a liderança mundial na era digital.
É que Estados Unidos, China, União Europeia e Rússia estão usando a corrida pela vacina como o grande recurso para uma retomada do crescimento econômico interno depois do desastre comercial e industrial provocado pela pandemia do Coronavírus.
Quem sair na frente passa a ter uma vantagem enorme e, como numa corrida de Fórmula Um, fica muito difícil ultrapassá-lo. A busca da vacina envolve assim um componente politico e ideológico muito importante e que vai condicionar toda a campanha mundial para imunização das pessoas.
O GP da Covid tem, no entanto, uma série de questões ainda sem respostas. A principal delas é como será feita a vacinação, porque os países ricos inevitavelmente darão preferência a quem vive neles, apesar das promessas atuais de que ninguém poderá furar a fila na imunização.
Os Estados Unidos já reservaram 5,2 bilhões de dólares e vão gastar ainda mais para garantir 328 milhões de doses para os sobrinhos do Tio Sam. Estão comprando vacinas inclusive na Europa para o caso dos seis laboratórios americanos não conseguirem atender toda a procura interna.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a montagem de um consorcio mundial para garantir uma distribuição igualitária da vacina, especialmente entre os 2/3 da população mundial que não vivem em regiões ricas.
É uma iniciativa pra lá de justa e necessária, mas a OMS precisará da boa vontade dos laboratórios fabricantes que são em privados, em sua esmagadora maioria, e obviamente darão prioridade às vendas para compensar os gastos feitos na pesquisa das vacinas. É esperar para ver.
O Brasil também já percebeu que precisa estar no grid de largada do GP da Covid para não ficar sem vacinas e consequentemente fora da corrida pela retomada da economia, um objetivo que, a cada dia, fica mais importante por causa do desânimo, pessimismo e irritação dos brasileiros. Já temos laboratórios nacionais com parcerias com chineses, russo, ingleses e norte-americanos, mas, tudo indica que os projetos com o Sinovac (China) e Universidade de Oxford (Inglaterra) tem maiores chances de chegar primeiro ao mercado brasileiro.
Outras grandes incógnitas nesta corrida maluca por vacinas contra o Coronavírus são a sua efetividade, o prazo em que começarão a ser aplicadas e o preço a ser pago por nós. Ainda há muitas dúvidas se teremos que tomar uma ou mais vacinas, se elas serão aplicadas todos os anos e se haverá efeitos laterais, especialmente em crianças e idosos.
Mais controvertidas ainda são as notícias sobre quando as vacinas estarão disponíveis para as pessoas comuns. OS prognósticos mais realistas são de que só no segundo semestre de 2021 é que o mundo poderá começar a perder o medo da Covid-19, mas ninguém arrisca um prazo para os países mais pobres da África, Haiti e Bangladesh. Quem quiser ser um dos primeiros a serem vacinados deve se preparar para gastar algo em torno dos 800 reais por uma aplicação em instituição privada.
Como a corrida pela vacina ainda está indefinida, nem se sabe quem larga na frente, nós teremos que ter muita paciência e realismo. Vamos sim ter uma vacina, mas devemos estar prevenidos para a possibilidade de acidentes e desistências entre os competidores, o que pode prolongar a nossa espera.
Isto nos leva a outra questão. Precisamos, é claro, combater a mortalidade, mas já teremos que pensar no pós pandemia, porque depois de mais de um ano de confinamento, distanciamento, medo da morte e desorganização econômica, o mundo em que vivemos será inevitavelmente diferente.