Tem frases e palavras que ficam para sempre. Um dia alguém me disse:
“- Você parece um kamikaze. Desliga esse motor, saia do avião!”
E isso ficou guardado, para sempre.
“Kamikaze” é um termo em japonês que significa vento de Deus ou vento divino, e foi o nome atribuído aos pilotos de aviões japoneses que, carregando explosivos, promoviam ataques suicidas contra os navios, principalmente os porta-aviões, dos Aliados, em especial os estadunidenses. (Estados Unidos).
Mas o que é ser um kamikaze?
Qual a linha que separa: amor, loucura ou sacrifício? Até onde podemos “lutar” em guerras que nem são nossas as transformando em nossa vida.
Na época era como se eu estivesse me atirando inteira “ao mar” sem pensar muito. Para uma medrosa de altura e apaixonada por aviões que tentou por 4 anos entrar na aeronáutica, aquele foi um elogio, torto, mas era feito de uma coragem insana, de bravura que não sossega, de uma raiva e orgulho que escolhem o que defender e por quem escrever sua história. Era uma luta que eu não desistia.
E eu já tive sim momentos kamikazes, em suas devidas proporções, e acredito que talvez você aí do outro lado também tenha. São aqueles segundos que passam uma vida na nossa frente, que a decisão é como uma lâmina, todos os lados vão se ferir. Tem que escolher a luta, a paixão ou a nossa causa.
Pessoas que sabem o que vai acontecer e mesmo assim embarcam no avião. Sabem o destino e o escolhem. Não são movidos pelas circunstâncias, pelo acaso. Não olham o céu ou a direção do vento. Tem um propósito que vai além.
Nas guerras bem como nos assuntos do coração, geralmente existe uma causa maior: dois lados que tiveram histórias diferentes e que de repente encontram-se juntos em um mesmo espaço precisando deliberar e geralmente só conseguem se beijar. Quando estamos apaixonados, perdidamente, não vemos o campo. A estratégia se anula. Muitas guerras foram perdidas e ganhas por amor.
Fácil é lidar com o tédio. Fácil o desencontro, a justificativa do erro. Mas e como explicar o que nos coloca em órbita estelar. Como explicar o encontro, a verdade, a sinceridade. A conexão de olhar, de pele e de cheiro, de alma. Quando um kamikaze encontra outro kamikaze em uma guerra, são poucas as decisões que podem caber.
Quando o voo é em pleno solo. Encontrar os pulmões com oxigênio em queda livre e não localizar o manche. Um Kamikaze não precisa de manche. Quando o encontro com nosso medo, nosso céu acontece, os olhos não precisam estar abertos.
Ouvir a solidão, olhar o pacifico e decidir sair do avião. Olhar o céu em silêncio e sentir o vento bater no rosto, com outrora dias de horizonte e mergulhos fatais em um oceano de guerra, lembra os dias que vivemos e os que ainda vamos viver. Kamikazes em queda livre e coração na boca.
Manche na mão.
Desligue o motor. Saia do avião. Kamikaze em solo observa seus pés no chão, mas seu coração ainda na imensidão de uma coordenada geográfica que não se explica, só sente quando os pés estão longe, bem longe do chão.
Como diz Gilberto Gil: “uma bomba sobre o Japão, fez nascer o Japão da paz”.