O governo do Rio Grande do Sul detalhou seu mais ambicioso projeto de infraestrutura dos últimos anos: a concessão do Bloco 1 de rodovias. A proposta extingue as atuais praças de pedágio, introduz um sistema de cobrança por quilômetro rodado (free flow), e prevê investimentos de R$ 6,41 bilhões em 454 quilômetros de estradas.
A mudança impactará diretamente a rotina de 27 municípios na Região Metropolitana, Vale do Sinos e Serra Gaúcha. Enquanto o governo defende a medida como a única forma de modernizar a malha viária, o novo modelo trará mais pontos de cobrança e custos que já geram debate, como a projeção de R$ 51,54 (ida e volta) para a viagem entre Porto Alegre e Gramado.

Por que o governo está fazendo esta concessão?
A principal justificativa do governo é a incapacidade financeira histórica de realizar grandes investimentos. O Estado alega um “atraso de 40 anos” na expansão de suas rodovias.
Segundo o governo, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) costumava investir apenas R$ 150 milhões anualmente em manutenção. Embora esse valor tenha saltado para R$ 1,5 bilhão em 2024, o governo afirma que “isso não é suficiente” para as melhorias necessárias.
A solução, segundo o Piratini, é unir a capacidade financeira do Estado com parcerias público-privadas (PPPs). A concessão do Bloco 1 (somada aos blocos 2, 3 e à RSC-287) é vista como a única forma de viabilizar mais de R$ 20 bilhões em investimentos e a duplicação de 720 quilômetros de estradas em todo o RS.
O Projeto: O que é e o que prevê o Bloco 1
Este bloco específico é um pacote de 30 anos que prevê R$ 6,41 bilhões em investimentos (sendo R$ 4,86 bilhões já nos primeiros dez anos).
Quais estradas estão incluídas? O Bloco 1 tem 454 km de extensão e inclui trechos das seguintes rodovias:
- ERS-020
- ERS-040
- ERS-115
- ERS-118
- ERS-235
- ERS-239
- ERS-466
- ERS-474
- E a nova ERS-010: Uma nova rodovia de 41 km, já duplicada, que ligará a região norte de Porto Alegre a Sapiranga, no Vale do Sinos, servindo como alternativa à congestionada BR-116.
Quais as principais obras?
- 213,7 km de duplicações;
- 12,5 km de terceiras faixas;
- 363,4 km de acostamentos;
- 88,48 km de vias marginais;
- 31 passarelas para pedestres.
A Grande Mudança: Como vai funcionar o pedágio “Free Flow”?
Diga adeus às cancelas e às praças de pedágio físicas. O modelo implementado será o “Free Flow” (fluxo livre).
- Como funciona? Pórticos eletrônicos serão instalados sobre as rodovias. Eles farão a leitura automática das placas ou tags dos veículos, sem a necessidade de parar.
- Qual o valor? A tarifa base será de R$ 0,21 (21 centavos) por quilômetro rodado.
- Como será a cobrança? Diferente do modelo atual, a cobrança será aplicada nos dois sentidos da via (ida e volta).
Com isso, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que hoje administra várias dessas estradas, será extinta após a conclusão dos leilões (previstos para 2026) e a passagem da operação para a iniciativa privada.
O Impacto no Bolso: A Serra Gaúcha e a Rota POA-Gramado
A Região das Hortênsias, segundo maior destino turístico do Brasil, será uma das mais impactadas.
Acesso a Gramado e Canela Atualmente, a região possui praças de pedágio da EGR. Elas serão substituídas por 23 pórticos free flow em todo o Bloco 1. Na prática, não será possível entrar ou sair de Gramado ou Canela sem pagar pedágio.
Os principais pontos de cobrança na região estarão localizados em:
- RS-115 (via Taquara): Pórticos em Três Coroas e Gramado.
- RS-235 (via Nova Petrópolis): Pórticos em Nova Petrópolis, Gramado e São Francisco de Paula.
- RS-466 (Estrada do Caracol): Um pórtico em Gramado, no km 4.
Obras na Serra: Como contrapartida, o projeto prevê a duplicação total da RS-115 (ligação com o Vale do Paranhana) e da RS-235, entre Nova Petrópolis e Gramado.
O Custo da Viagem: R$ 51,54 para ir e voltar de Gramado A projeção que mais chama a atenção é o custo do trajeto entre Porto Alegre e Gramado, que poderá custar R$ 51,54 (ida e volta) a partir de 2027.
Segundo o plano, essa viagem (usando a nova RS-010, RS-239 e RS-115) exigirá a passagem por sete pórticos de cobrança, somando R$ 25,77 por sentido.
Para efeito de comparação, o governo projeta que a viagem entre Porto Alegre e Balneário Pinhal (pela RS-040) custará R$ 17,73 por sentido.
Os pontos polêmicos do projeto
1. Por que usar R$ 1,5 bilhão do Fundo da Reconstrução (Funrigs)?
O governo do Estado irá investir R$ 1,5 bilhão do Funrigs (criado para a reconstrução pós-enchentes de 2024) no projeto. O governo justifica a ação em dois pilares:
- Resiliência: As rodovias do Bloco 1 (que atendem 34% da população) foram afetadas pelas enchentes. O dinheiro será usado para torná-las “resilientes”, com pontes mais altas, melhor drenagem e contenção de encostas (como na ERS-115, na Serra).
- Baratear a Tarifa: O governo afirma que o aporte é crucial para a “modicidade tarifária”. Sem esse R$ 1,5 bilhão, a tarifa por quilômetro não seria de R$ 0,21, mas sim de R$ 0,32.
2. Por que a ERS-118 não terá cobrança?
A ERS-118, na Região Metropolitana, é uma das mais antigas do bloco e está sendo duplicada há mais de 20 anos com recursos públicos. O governo afirma que, em 2022, “ficou consensuado com a sociedade e a Assembleia Legislativa que essa obra seria concluída sem cobrança de pedágio”. A versão atual do projeto mantém esse consenso. No entanto, a nova ERS-010, que também atenderá a Região Metropolitana, terá cobrança.
3. Haverá descontos para moradores locais?
Não. O governo afirma que, como o modelo já cobra por quilômetro percorrido (considerado mais justo), a criação de tarifas diferenciadas “não é factível”.
Contudo, o governo aponta uma saída: os municípios beneficiados terão um aumento na arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS). Nada impede que as prefeituras usem esse recurso extra para “aprovar políticas de desconto ou de isenção, a partir de subsídios custeados pela própria municipalidade”.
O que acontece agora?
O projeto não está fechado. O governo abriu uma etapa de consulta pública, que fica disponível para contribuições da sociedade até o dia 1º de dezembro.
Serão realizadas quatro audiências públicas em diferentes regiões para debater a proposta. O governo afirma que “o diálogo é constante” e que sugestões para aperfeiçoar o projeto, incluindo o número de pórticos ou adaptações nas obras, serão avaliadas, desde que se mantenha o equilíbrio econômico da concessão.
O edital de licitação está previsto para o primeiro trimestre de 2026, com o leilão ocorrendo no segundo semestre do mesmo ano.













