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Marcela Muttoni: Bungee Jump

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Olhou o precipício. Mesmo amarrada a uma corda e algumas fivelas metálicas com parafusos à mostra, seu cérebro só sentia o vento que batia desalinhando alguns fios de cabelo que insistiam em grudar em seu lábio inferior. 

O vento vinha do norte. Olhou pra frente é só conseguia ver o vazio do horizonte distante. Os olhos que tinham aquele tom de caramelo queimado verdejava.  Uma mistura de luz que parecia que não permitia os olhos ficarem abertos.

Respirou fundo para levar um pouco de ar para o pulmão. Não conseguia.

O coração batia tão forte que não conseguia diferenciar o que era vento, batimento cardíaco ou eco. Sentia o barulho dentro da sua boca. Olhando para aqueles 30 metros abaixo de si, pensou em todas as possibilidades: o elástico arrebentar, o parafuso cair, o corpo não resistir a tanta emoção e infartar.

Sua cabeça viajava em pensamentos acelerados. Uma vertigem que fazia os tornozelos tremerem. Mãos suadas. Um suor frio.

Evitava olhar pra baixo, porque sentia cada pedaço do seu corpo tremer mais que gelatina. A emoção e o medo fazem todos os instintos de sobrevivência serem ativados. Perigo o corpo grita!

E como em um instante pensou em Deus. Nunca mais tinha rezado e nem acreditava em Deus, mas naquelas frações de segundo sentiu necessidade de chamar ele: – Deus eu tenho andado distante, mas eu sei que você me conhece. Sabe das minhas fraquezas, sabe das minhas dores e feridas. Mas segura esse elástico?  Se eu sair dessa, eu rezo.           

Lembrou que não sabia mais rezar? Pensou em porque não rezava.

E neste mesmo instante uma voz inconsciente surgiu como um rádio quebrado: livre arbítrio. Não é Deus que te faz pular, e sim você mesmo.

– Porquê pular? O que faz alguém arriscar a vida? Que respostas encontramos no limite do nosso medo? – Porquê estou pulando? Só conseguia pensar em loucura e Deus. Essas palavras se misturavam. Lembrou que muitos dizem que na eminência do perigo, é só você e Deus.

Que motivos fazem estar ali, confiando no Acaso, quando fomos criados para sobreviver. Vivenciar o pulmão se enchendo de ar? O corpo em risco? A emoção do encontro com Deus? Com medo? O que é real? Adrenalina? Pra que?

Em alguns segundos alguém falou: – chegou a hora. Pule! Segure suas mãos contra o peito e aproveite! As pernas paralisaram. Imóvel. Sentia duas pedras de concreto em cada um dos pés. Não conseguia nem respirar. Quiçá se mexer contra o precipício.

Como assim se atirar ? Como pular de uma ponte confiando numa corda? E o erro? A estatística? A falha?

E então lembra os motivos de estarmos em cima: ninguém chega lá em cima se não quiser de fato viver tudo que possa viver. Sentir os hormônios pulsarem. Colocar o corpo em estado vivo e não dormente. Viver emoções únicas que façam a vida ter um sentido, mesmo que seja vivendo o risco. A linha tênue entre o incrível e o absurdo.

Bem como um vinho degustado por alguém que não entende nada de uvas, assim é a vida, exige viver para apurar o paladar sobre o que provoca sentido e valor a experiência. É vivendo que se aprende a viver. É pulando muitas vezes, que se compreende o que nos paralisa. A tentativa faz evoluir. E no erro e acerto que ajustamos a rota.

É na tentativa de conhecer novos caminhos, surpresas e descobertas. Não somos o que queremos. Somos o que temos capacidade de construir. De destruir ou semear. Somos a decisão de dar um passo atrás ou um pra frente.

Olhou para os próprios pés. Ficar é seguro e garante tudo. Pular é encontrar um desconhecido de sentimento, problemas e consequências.  Tão mais fácil um passo atrás. O coração neste momento acelera tanto e a voz de Deus no ouvido: – segurança! Livre arbítrio. Só pula se quiser?

E neste instante o vento puxa todos os seus cabelos no rosto. Tranca os pulmões e em uma fração de segundos corre em direção ao desconhecido. Se agarra os parafusos de metal, pensa em Deus! Na família. E sente o vento a quilômetros cortar o corpo, a boca secar. O coração na boca. Pensa – vou Cair!

Um mix de desespero e pavor. Cortam o silêncio do nada. Olhos fechados, não tem coragem de abrir. E então sente o elástico e o solavanco. Tô viva!

Sente todos os dedos! Sente os lábios, o som. Sente até mesmo seu sangue correr por suas veias. Escuta seu coração e sua respiração. A quanto tempo não ficava em silêncio profundo.

Abriu os olhos e não acreditou no que via: o mundo de cabeça pra baixo. Uma tontura a fez levantar o pescoço.

Içada, puxada e já respirando olhando sua vida virada. E sorriu. Tudo fez sentido. Começou a ouvir o som de uma música que tocava dentro de si: um samba antigo. Percebeu as cores das pedras, o formato das folhas e até sentiu o calor do dia de sol.

Neste momento encontrou Deus: “- Oi! Valeu! Vou ter que rezar, né? “

E então fechou os olhos com força: obrigada por tudo pai! Pelo meu corpo, pela vida e por todas as possibilidades de me permitir perceber que a vida é mais que estar de olhos abertos. É viver. E disse Amém.

Cabelos na boca. Sorriso suado. Mas lá.

Crônicas e histórias cotidianas sensoriais
“Acredito que podemos ler, estimulando mais que um sentido. Por isso, em mais de 18 anos de profissão, me apaixonei pelo processo de escrever levando o leitor a usar além da visão, outros estímulos sensoriais.
marcelamuttoni1@gmail.com

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